2025: O ano em que finalmente o Brasil puniu golpistas

24-12-2025 Quarta-feira

Ainda que as maquinações por uma anistia travestida de “dosimetria” jogue dúvidas sobre o tamanho das penas, o fato de o país condenar Bolsonaro e militares é um marco histórico

Entre as muitas marcas que 2025 deixa, uma tem caráter histórico: a condenação de um ex-presidente, Jair Bolsonaro (PL), e aliados próximos, boa parte dos quais militares de alto escalão, por tentativa de golpe de Estado. O fato quebra com uma antiga tradição brasileira de não enfrentar crimes dessa espécie, como ocorreu com os que conduziram ou participaram da ditadura de 1964, fato que deixou inúmeras cicatrizes no país. 

Ao longo de sua trajetória, Bolsonaro sempre flertou com o autoritarismo. No poder, intensificou essa marca, deixando claro que não estava disposto a acatar as regras construídas ao longo do processo de redemocratização. Embora gostasse de bradar que respeitava as “quatro linhas” da Constituição, o capitão reformado, na verdade, nunca a levou a sério. 

“O julgamento e a condenação mostraram que nós não repetimos o erro muito grave cometido durante a redemocratização quando, na tentativa de pacificar o país, o país fez vista grossa em relação a diversos crimes que haviam sido praticados por militares e também por por civis que apoiavam a ditadura. Isso trouxe graves problemas para o Brasil”, explica, ao Portal Vermelho, Andre Lozano, advogado criminalista e professor de Direito Penal e Processo Penal. 

Lozano ressalta que “quando um ex-presidente, que claramente participou de articulações para deslegitimar o sistema político, é punido, estamos dando um recado para dentro e para fora do Brasil de que isso não é aceito”. 

Ao comparar o processo brasileiro que levou o ex-presidente à prisão, com a resposta dos EUA aos ataques dos apoiadores de Donald Trump ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021, o professor avalia que “os Estados Unidos se mostraram como uma democracia mais frágil do que a brasileira”. Ele completa argumentando que “lá as instituições não funcionaram e não estão funcionando com relação ao atual presidente, que diversas vezes tenta estressar os espaços democráticos dos mais diversos modos. As instituições parecem ter medo de agir”. 

Do processo à condenação

O processo judicial relativo à tentativa de golpe resulta de uma longa  investigação da Polícia Federal, que remonta a 2021, ainda no inquérito sobre as milícias digitais bolsonaristas aberto pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.

Com os ataques golpistas aos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023, as apurações ganharam mais tração. Emnovembro de 2024, as investigações foram concluídas e levaram ao indiciamento de Bolsonaro e outras 36 pessoas.

Vale destacar que mensagens encontradas no celular do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, durante as investigações de outros caso — o da falsificação de carteiras de vacinação — contribuíram diretamente para mostrar que houve uma trama golpista urdida pelo ex-presidente e seu entorno. 

Com base em todo o material probatório colhido, em fevereiro de 2025 a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou denúncia contra os investigados e dividiu-os em cinco núcleos, conforme a atuação de cada um.

O principal, chamado de núcleo crucial, era formada pelos “cabeças” da trama: Bolsonaro, os militares de alta patente Walter Braga Netto, Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira, Almir Garnier e Mauro Cid, além de Anderson Torres e  Alexandre Ramagem. Em março, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, torná-los réus. 

Cumprindo todas as etapas legais exigidas, seis meses depois, no dia 2 de setembro, teve início o histórico julgamento. 

Ao fazer sua sustentação oral no primeiro dia, o procurador-geral Paulo Gonet destacou que “punir a tentativa frustrada de ruptura com a ordem democrática estabelecida é imperativo de estabilização do próprio regime, opera como elemento dissuasório contra o ânimo por aventuras golpistas e expõe a tenacidade e a determinação da cidadania pela continuidade da vida pública inspirada no protagonismo dos direitos fundamentais e na constância das escolhas essenciais de modo de convivência política”. 

Gonet também salientou que “a denúncia revela com precisão e riqueza de detalhes a estruturação e atuação de organização criminosa entre meados de 2021 e início de 2023, com o claro propósito de promover a ruptura da ordem democrática no Brasil”. 

O grupo liderado pelo presidente Jair Bolsonaro e composto por figuras-chave do governo, das Forças Armadas e de órgãos de inteligência, continuou Gonet, “desenvolveu e implementou plano progressivo e sistemático de ataque às instituições democráticas com a finalidade de prejudicar a alternância legítima de poder nas eleições de 2022 e minar o livre exercício dos demais poderes constitucionais, especialmente do Poder Judiciário”. 

Na parte final de seu voto, o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, destacou que “o líder da organização [Bolsonaro], exercendo cargo de chefe de Estado e chefe de governo da República Federativa do Brasil, uniu indivíduos de extrema confiança para a realização das ações de golpe de Estado e ruptura das instituições democráticas”. 

Destacou, ainda, que “o líder do grupo criminoso deixa claro, de viva voz, de forma pública, para toda a sociedade, que jamais aceitaria uma derrota democrática nas eleições, que jamais aceitaria ou cumpriria a vontade popular”. 

Ao final do julgamento, em 11 de setembro de 2025, o grupo foi condenado, por quatro votos a um, pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. A maior pena, de 27 anos e 3 meses, coube a Bolsonaro. 

Passada a fase de recursos, foi iniciado o cumprimento das penas. Mas, pouco antes, no final de novembro, Bolsonaro foi preso na Superintendência da Polícia Federal, em Brasília, após tentar abrir a tornozeleira eletrônica que ele usava em função da desobediência a medidas relativas a outro processo — o de coação no curso do processo. 

Nesse caso, seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) se tornou réu por tentar usar de influência junto ao governo de Donald Trump para barrar a condenação de seu pai. 

Após a decisão sobre o núcleo crucial, STF se dedicou, ainda em 2025, ao julgamento dos demais núcleos que deram sustentação à tentativa de golpe, condenando a grande maioria dos réus. 

O pós-julgamento

Apesar desse passo importante dado pelo Brasil e do baque que a condenação e prisão de Bolsonaro causam em seu capital político, a extrema direita ainda é forte na sociedade brasileira, no Congresso e em parte dos executivos e legislativos locais. Além disso, dialoga com movimentos homólogos pelo mundo e segue se valendo da cumplicidade (ou ajuda) das big techs para disseminar suas ideias e atacar opositores. 

Como parte dessa articulação, antes mesmo de o julgamento ter sido iniciado, bolsonaristas já tentavam costurar uma proposta de anistia. A jogada mais recente é o Projeto de Lei da Dosimetria, que retornou à pauta pelas mãos do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), no dia 9 de dezembro, como parte de uma ofensiva contra o governo e como forma de bajular a extrema direita. 

A matéria é claramente uma anistia disfarçada que, usando a falsa justificativa de defender os “peixes miúdos” condenados pelos ataques do 8 de Janeiro, busca, ao fim e ao cabo, retirar Bolsonaro da prisão. 

Após uma tramitação-relâmpago, o texto foi aprovado na Câmara na madrugada do dia 10 — com uma redação que, ainda por cima, abria brechas para facilitar a progressão de regime para criminosos que nada têm a ver com a tentativa de golpe.  Agora, o projeto foi aprovado no Senado, deverá seguir para a sanção presidencial, mas Lula já disse que a vetará. 

Cenário em 2026

Em meio a esse complexo cenário, as próximas eleições ganham ainda mais relevância. Novamente, estará em jogo a manutenção ou não da democracia e dos avanços obtidos durante o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 

Candidatos da direita, buscando a benção de Bolsonaro, vêm sinalizando com a possibilidade de anistiá-lo. Além disso, a extrema direita já deixou claro que deseja obter maioria no Senado, a fim de conseguir fazer passar o impeachment de ministro do STF. 

Ao mesmo tempo, tentará conquistar mais governos e se manter majoritária na Câmara. O desastre da atual legislatura, aliás, demonstra a alta capacidade destrutiva e reacionária dos parlamentares da extrema direita. 

O enfrentamento a essa corrente política, portanto, não será fácil. Requer mobilização e atuação permanente não apenas das forças de esquerda, mas de todos que entendem o valor da democracia, o que exige também maior diálogo e conexão com a população. 

“Essas eleições serão importante porque a gente, de fato, pode enterrar o bolsonarismo. E quando digo ‘enterrar o bolsonarismo’, não significa enterrar o fascismo. Significa enfraquecer uma vertente personalista do fascismo no Brasil. Para isso, é preciso ampliar muito as forças democráticas, em especial as de esquerda”, opina Lozano. 

Ele ressalta que “tão importante quanto garantir que as forças democráticas ocupem o Poder Executivo é lutar para que essas mesmas forças sejam maioria no Legislativo. Lembrando que no ano que vem serão eleitos dois senadores por estado”. 

Por isso, conclui, “a população também tem uma responsabilidade enorme de não colocar no poder lideranças que, de alguma forma,  atentam diariamente contra a democracia, contra o país e contra os direitos do próprio povo”. 

Vermelho

Deixe um comentário