Lula anuncia assinatura do acordo Mercosul–UE para 20 de dezembro

24-11-2025 Segunda-feira

Presidente confirma assinatura na cúpula de Foz do Iguaçu e aposta em retomar protagonismo do Mercosul após 25 anos de negociação e início da fase de ratificação

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou neste domingo (23), em Joanesburgo, que pretende assinar o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia no dia 20 de dezembro, durante a Cúpula dos Líderes do bloco em Foz do Iguaçu (PR). 

“Pretendo não viajar mais esse ano, a não ser para Brasília ou para Foz do Iguaçu para assinar o acordo Mercosul-União Europeia, que eu penso que será assinado no dia 20 de dezembro”, afirmou o presidente.

O anúncio foi feito após conversas com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e com o presidente francês, Emmanuel Macron, durante o G20 na África do Sul.

A decisão pode marcar o ponto final de uma negociação iniciada em 1999 e que teve seu texto técnico concluído em dezembro de 2024, após 25 anos de tratativas. 

A formalização em dezembro atende ao desejo do governo brasileiro de encerrar 2025 com um gesto claro de reforço da integração regional e de ampliação da projeção internacional do país. 

O Brasil ocupa a presidência rotativa do Mercosul neste semestre e escolheu a cúpula de Foz do Iguaçu como momento decisivo para a assinatura. O evento reunirá os quatro países do bloco e discutirá a fase de implementação legislativa.

Segundo Lula, o acordo cria uma das maiores zonas de livre comércio do mundo, envolvendo cerca de 722 milhões de habitantes e um PIB combinado de US$22 trilhões. 

“É uma coisa extremamente importante, possivelmente seja o maior acordo comercial do mundo”, afirmou o presidente. 

A fala reforça a aposta do governo brasileiro em reposicionar o Mercosul como ator relevante na economia global, em meio a um cenário marcado por disputas comerciais e pressões protecionistas, vindas dos Estados Unidos.

A assinatura no dia 20 deve encerrar a fase diplomática do processo, mas ainda não garante sua entrada em vigor. Tanto a UE quanto os países do Mercosul precisam submeter o texto aos respectivos parlamentos. O governo brasileiro planeja enviar o acordo ao Congresso Nacional logo após o encerramento da cúpula.

Europa entra em fase de ratificação após apresentação formal do texto pela Comissão Europeia

A Comissão Europeia apresentou oficialmente o acordo de livre comércio entre os blocos em setembro de 2025, dando início ao processo interno de aprovação na União Europeia. 

O próximo passo será a análise do Parlamento Europeu, seguida da ratificação pelos 27 Estados-membros, etapa considerada complexa por envolver temas sensíveis como padrões ambientais, compras governamentais e regras de abertura comercial gradual. 

Cada país europeu terá autonomia para definir o calendário de votação, o que pode estender a tramitação pelos próximos anos.

Além do trâmite legislativo, o acordo enfrenta questionamentos jurídicos sobre sua compatibilidade com os tratados da União Europeia. 

Partidos e organizações civis pedem que a Corte de Justiça da UE avalie se o texto deve ser classificado como acordo comercial estrito ou como acordo de associação, o que pode determinar diferentes requisitos de aprovação. 

Esse debate permanece aberto e pode influenciar o ritmo de implementação do pacto.

Apesar das disputas internas, o avanço na UE coincide com a estratégia da Comissão Europeia de reforçar laços com a América do Sul em meio a crise tarifária de Donald Trump.

A apresentação do acordo foi acompanhada pela aprovação de instrumentos de salvaguarda agrícola, voltados a proteger setores considerados sensíveis dentro do bloco europeu. A medida foi anunciada como mecanismo de transição para viabilizar a tramitação política do pacto.

A consolidação do processo interno europeu também depende das condições políticas de cada governo nacional. Países com forte representação do agronegócio, como França e Irlanda, mantêm posição cautelosa em relação ao acordo. 

Já parceiros como Espanha, Alemanha e Portugal defendem sua aprovação e argumentam que a parceria com o Mercosul fortalece a inserção internacional da UE.

França pressiona por salvaguardas e UE adota mecanismos automáticos para produtos agrícolas

O governo francês declarou, em novembro, que o acordo ainda precisa de ajustes para ser considerado aceitável. A posição reflete pressão de produtores rurais e partidos que defendem regras mais rígidas para importações agrícolas provenientes do Mercosul. 

Em resposta às preocupações, o Conselho da União Europeia aprovou um regulamento de salvaguardas que estabelece gatilhos automáticos caso o volume de importações de determinados produtos ultrapasse limites pré-definidos ou provoque quedas significativas nos preços internos.

O mecanismo inclui monitoramento permanente de fluxos comerciais e autoriza a UE a abrir investigações e aplicar medidas temporárias de proteção quando necessário. 

A adoção das salvaguardas representa uma tentativa de acomodar o setor agrícola europeu sem reabrir o texto principal do acordo negociado com o Mercosul. A medida foi recebida como sinal de que a Comissão Europeia busca preservar o pacto sem ampliar tensões internas.

O posicionamento francês é acompanhado por setores políticos da Áustria e da Irlanda, que também exigem garantias para seus produtores. 

Esses países argumentam que a abertura comercial deve ser acompanhada de compromissos ambientais e sanitários equivalentes aos praticados na UE. Embora não bloqueiem formalmente o acordo, essas posições pressionam o debate europeu e podem influenciar o ritmo da ratificação.

Para o governo brasileiro, as salvaguardas fazem parte do processo natural de adaptação da UE e não alteram os termos negociados pelo Mercosul. A diplomacia brasileira defende que o pacto amplia a autonomia comercial do bloco sul-americano e cria oportunidades para a indústria, o agronegcio e o setor de serviços.

Celac prepara terreno e fortalece coordenação diplomática sul-americana

A assinatura do acordo em dezembro também é resultado de articulação prévia de Lula em fóruns regionais. No início de novembro, durante a Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), o presidente afirmou que Mercosul e União Europeia deveriam avançar na conclusão do acordo em suas respectivas cúpulas. 

A fala foi interpretada como recado à UE e como demonstração do interesse brasileiro em consolidar uma política externa de integração regional.

A coordenação na Celac contribuiu para reforçar o papel do Brasil na mediação entre diferentes interesses regionais. Países como Paraguai e Uruguai defendiam agilidade nas negociações e cobravam compromissos claros da UE. 

O governo brasileiro atuou para garantir que as demandas do Mercosul fossem apresentadas de forma coesa na fase final das conversas com os europeus. Esse alinhamento fortaleceu a posição do bloco no encerramento do texto técnico em dezembro de 2024.

A reativação diplomática do Mercosul também se expressa na escolha de Foz do Iguaçu como sede da cúpula decisiva. O governo Lula pretende encerrar o ano com uma agenda que simbolize integração regional e reafirme o protagonismo brasileiro em fóruns multilaterais. A assinatura do acordo com a UE, após duas décadas de impasses, é vista por integrantes do governo como marco da política externa do mandato.

A etapa de ratificação, porém, depende de decisões nacionais de cada integrante do Mercosul. A expectativa do governo brasileiro é de que o acordo seja encaminhado ao Congresso Nacional logo após o encerramento da cúpula e que o debate legislativo avance ao longo de 2026.

Divergências internas permanecem e Milei mantém posição crítica ao Mercosul

Apesar da sinalização positiva da maior parte dos integrantes do bloco, as tensões com o governo de Javier Milei permanecem. Até este domingo (23), o presidente argentino ainda não havia confirmado presença na cúpula de Foz do Iguaçu. 

Em julho, Milei afirmou que o Mercosul “prejudicava a maioria dos cidadãos” argentinos, declaração que gerou ruído diplomático e levantou dúvidas sobre o interesse do país em participar da assinatura.

A relação entre Brasil e Argentina é considerada estratégica dentro do Mercosul, e a ausência de Milei pode alterar a dimensão política da cúpula. 

Ainda assim, o governo brasileiro afirma que a assinatura será realizada com os países presentes e que a formalização do acordo não depende da presença individual de chefes de Estado. 

O Itamaraty mantém diálogo técnico com Buenos Aires para garantir que a Argentina acompanhe o processo de implementação.

O debate interno argentino também pesa na decisão sobre a ratificação legislativa. Mudanças recentes na política econômica e comercial do país influenciam setores exportadores e industriais que acompanham com atenção os efeitos do acordo. 

O governo brasileiro busca preservar a unidade regional, independentemente das divergências políticas entre os governos.

Nos demais países do bloco, a expectativa é de que a assinatura represente avanço nas estratégias nacionais de inserção internacional. Paraguai e Uruguai defendem que o acordo fortalece a autonomia do bloco e amplia oportunidades de comércio com a Europa.

Impactos para o Brasil: indústria, agro e compras governamentais

O acordo Mercosul–UE estabelece regras para comércio de bens industriais, produtos agrícolas, serviços, indicações geográficas, compras governamentais e barreiras técnicas. 

Para a indústria brasileira, temas sensíveis incluem prazos de redução tarifária e abertura gradual de setores considerados estratégicos. 

Empresas de máquinas, químicos, autopeças e farmacêuticos avaliam que a abertura do mercado europeu pode ampliar oportunidades, desde que acompanhada de políticas industriais capazes de sustentar competitividade.

O setor agrícola, por sua vez, aguarda definição sobre cotas, prazos de entrada e ajustes sanitários. A UE mantém interesse em setores industriais e de serviços, enquanto o Mercosul busca ampliar o acesso de produtos agrícolas a países europeus. 

A adoção das salvaguardas pela UE indica que a transição será monitorada, especialmente em produtos sensíveis para o bloco europeu.

Para o governo brasileiro, o acordo amplia a autonomia comercial do país e fortalece sua capacidade de negociar em cadeias globais de valor. A política externa do governo Lula aposta na diversificação de mercados como estratégia para reduzir vulnerabilidades frente a disputas internacionais. A assinatura do pacto com a UE integra essa estratégia ao lado de agendas em andamento com China, países árabes e África.

A implementação interna exigirá adequação regulatória e diálogo com setores empresariais. A expectativa do governo é de que, uma vez aprovado pelo Congresso, o acordo inaugure um ciclo de integração mais profunda entre o Mercosul e parceiros globais.

Vermelho

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