04-11-2025 Terça-feira
Documento entregue pelo governador fluminense pede intromissão de Washington para classificar o Comando Vermelho como organização narcoterrorista.
O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), vem articulando com os Estados Unidos uma possível cooperação internacional para o combate ao crime organizado. De acordo com o jornal O Globo, as tratativas começaram há menos de seis meses
A suspeita parceria ganhou força em maio de 2025, quando uma comitiva norte-americana, liderada por David Gamble — chefe interino da Coordenação de Sanções do Departamento de Estado — esteve em Brasília para discutir estratégias de enfrentamento ao crime organizado. Coincidentemente, no mesmo mês, Cláudio Castro esteve em Nova York para negociar um acordo de cooperação com a DEA, agência antidrogas dos Estados Unidos. Nesse contexto, o governador entregou um relatório solicitando que o Comando Vermelho fosse classificado pelos EUA como organização narcoterrorista.
O documento, elaborado pela inteligência da Secretaria Estadual de Segurança Pública do Rio de Janeiro, busca convencer Washington a reconhecer o Comando Vermelho (CV) como organização terrorista internacional. A iniciativa, liderada por Castro, insere-se na retórica do chamado “narcoterrorismo”, amplamente difundida durante a gestão de Donald Trump.
Intitulado Análise Estratégica: Inclusão do Comando Vermelho nas Listas de Sanções e Designações dos EUA, o relatório revela uma tentativa de pressionar o Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC) dos Estados Unidos para – a partir da classificação de terroristas – impor sanções econômicas contra os chefes da facção, facilitar extradições e parcerias com órgãos internacionais como DEA, FBI e Interpol.
A ideia liderada por Castro ignora a legislação brasileira, que distingue claramente entre organizações terroristas — motivadas por ideologias políticas, religiosas ou sociais — e organizações criminosas, como o CV e o PCC, que operam por interesses econômicos. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, reafirmou essa distinção, alertando para os riscos de subjetivismo e arbitrariedades.
A proposta também expõe o sistema financeiro nacional à ingerência externa. Caso o Comando Vermelho seja classificado como terrorista pelos Estados Unidos, qualquer instituição financeira brasileira que tenha supostamente recebido recursos do tráfico estaria sujeita a sanções internacionais e restrições de mercado.
Entre os cartéis já classificados como organizações terroristas pelos Estados Unidos estão o Tren de Aragua, da Venezuela, e o Sinaloa, do México. O Tren de Aragua, inclusive, tem atuação no Brasil, com vínculos operacionais com o Comando Vermelho e o PCC.
A repercussão do relatório reacende o debate sobre a soberania nacional e os rumos da Segurança Pública no Brasil. Especialistas apontam que a manobra tem caráter político. O sociólogo Ignacio Cano, da UERJ, vê no gesto uma tentativa da extrema direita de justificar operações que resultam em execuções sumárias.
“O governo do estado não tem legitimidade para decidir essa questão diretamente com um país estrangeiro — isso é uma atribuição do governo federal”, afirmou Cano, acrescentando que “mesmo em países que adotam leis antiterroristas, as normas desses países não autorizam execuções sumárias. O propósito é político, buscando pressionar por medidas que não se sustentam juridicamente”, analisa Cano.
A proposta serve para justificar ações estapafúrdias
Leia a entrevista com Ignacio Cano, doutor em Sociologia e um dos principais especialistas no Brasil em violência, segurança pública e direitos humanos. Cano que é professor e coordenador do Laboratório de Análise da Violência (LAV) da UERJ traz uma perspectiva crítica e baseada em evidências sobre o uso do termo “narcoterrorismo” no país.
Vermelho: O senhor ficou surpreso com a entrega do relatório de Cláudio Castro à Embaixada Americana?
Ignacio Cano: Isso já faz um tempo. Não fiquei surpreso. É parte de uma operação de extrema direita para justificar ações estapafúrdias, especialmente execuções sumárias, sob a lógica do “narcoterrorismo”. Mesmo em países com leis antiterroristas, não há licença legal para execuções sumárias. O propósito é político, buscando um objetivo que não é apenas o de constranger o governo federal, mas o de pressionar por operações e medidas que, hoje, não se sustentam juridicamente.
Vermelho:Qual seria o impacto internacional? Isso provocaria intervenção militar como na costa da Colômbia e Venezuela?
Ignacio Cano: É uma hipótese distante e muito remota. Diferentemente de situações como Venezuela e Colômbia, o tráfico do Rio não afeta diretamente os EUA, tornando qualquer justificativa para intervenção absurda e sem respaldo legal.
Vermelho: Quais seriam, na sua avaliação, as alternativas mais eficazes para combater o crime organizado, especialmente o tráfico de drogas e a ocupação de territórios no Rio de Janeiro?
Ignacio Cano: Enfrentar o crime organizado vai muito além do tráfico de drogas. As medidas mais eficazes seriam, primeiro, tratar as drogas como uma questão de saúde pública e não de segurança pública. No contexto atual, não há apoio político suficiente para isso, mas seria um avanço fundamental. Em segundo lugar, combater a corrupção. O crime organizado não se mantém sem corrupção em todos os níveis da administração pública. Seria essencial abrir investigações rigorosas envolvendo funcionários públicos, policiais, políticos e até mesmo alguns juízes. Uma força-tarefa federal seria importante para investigar essas conexões e desvios. Em terceiro lugar, o enfrentamento econômico é crucial. Como ocorreu na operação Carbono Oculto, em São Paulo, é preciso atacar os mecanismos de lavagem de dinheiro dessas organizações, o que envolve pessoas em vários níveis e setores.
Vermelho
