Bolsonaro tropeça na prudência e transforma sua viagem ao Maranhão num desastre político

30-10-2020 Sexta-feira

Um desastre político. É a definição mais adequada para a visita do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao Maranhão ontem, com escalas em São Luís e Imperatriz. Durante sua incursão de algumas horas no estado, onde foi recebido por aliados políticos e por grupos de seguidores fantasiados de verde-amarelo – todos sem máscara e confinados em cercadinhos iguais aos do Palácio da Alvorada -, o presidente protagonizou momentos que certamente entrarão para a crônica do seu período reforçando sua estranha noção de política e o seu agressivo desprezo pelas regras de convivência institucional. Escudado pelo senador Roberto Rocha (PSDB), o seu principal aliado no estado, e por vários deputados federais, Jair Bolsonaro exercitou sua verve belicosa ao atacar o governador Flávio Dino, seu Governo e seu partido, o PCdoB, pelo viés ideológico, e fazer piada grosseira com o Guaraná Jesus, afirmando que, ao ingeri-lo, se tornaria “boiola, como os maranhenses”. Com seu comportamento desregrado e seu discurso agressivo, o presidente da República transformou o que seria uma visita de trabalho, para inaugurar, inspecionar e anunciar obras, num inacreditável imbróglio político de repercussão nacional.

Na primeira etapa da viagem – que não foi comunicada ao governador Flávio Dino nem ao prefeito Edivaldo Holanda Júnior (PDT), num gesto espantoso de descortesia – o presidente Jair Bolsonaro desembarcou em São Luís, de onde seguiu para a BR-135, onde inaugurou um trecho de 3,5 quilômetros de duplicação. Depois rumou para Imperatriz, onde também foi recebido por apoiadores, e inaugurou dois quilômetros restaurados da BR-10 e anunciou a criação de uma universidade federal na região. Quase nada além disso, o que confirmou a suspeita inicial de que o propósito não admitido que o propósito da viagem era essencialmente político.

Em São Luís, sua estada passaria em branco, sem qualquer expressão, se o presidente não tivesse chocado os maranhenses com uma piada de mau gosto, preconceituosa e de natureza claramente homofóbica sobre o Guaraná Jesus, um dos símbolos do Maranhão. Ao ingeri-la, gracejou agressivamente: “Agora eu virei boiola. Igual maranhense, é isso? Guaraná cor-de-rosa do Maranhão aí, quem toma esse guaraná aqui vira maranhense”. A piada sem graça causou perplexidade, principalmente pelo de que alguns maranhenses do seu grupo de acompanhantes tenham achado graça. O senador Roberto Rocha, ciente da repercussão, tentou minimizar, mas não conseguiu. O governador Flávio Dino, por seu turno, protestou contra a opereta presidencial de ofensa aos maranhenses.

– Bolsonaro veio ao Maranhão com sua habitual falta de educação e decoro. Fez piada sem graça com uma de nossas tradicionais marcas empresariais: o Guaraná Jesus. E o mais grave: usou dinheiro público para propaganda política. Será processado – reagiu o governador nas suas redes sociais.

Em Imperatriz, ao falar para simpatizantes, Jair Bolsonaro escancarou a motivação política da viagem. Além de não comunicar sua visita ao governador Flávio Dino, mesmo tendo ele atendido solicitação do ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno e autorizado a PM a se integrar ao esquema de segurança presidencial, Jair Bolsonaro recorreu ao seu extremismo de direita e atacou duramente o dirigente maranhense, dizendo que o Maranhão vive sob “uma ditadura comunista” e que o PCdoB “deve ser varrido” do Maranhão. Ataque foi gratuito, sem qualquer justificativa. O governador Flávio Dino deu troco imediatamente, disparando: “Não tenho medo de ditador, nem de projeto de ditador e nem de ditadura. Não tenho medo de Bolsonaro”.

O caráter político da visita do presidente Jair Bolsonaro ao Maranhão não surpreendeu. O simples fato de não comunicar sua vinda ao governador, como manda a praxe, mesmo sendo eles adversários políticos, e a desenvoltura do senador Roberto Rocha como uma espécie de dono da agenda, foram evidências de que não havia maiores propósitos de governo na viagem. Só que os fatos ocorridos, a reação a eles e a repercussão fora do Maranhão demonstraram que o presidente dificilmente colherá bons frutos políticos dessa empreitada.

Repórter Tempo

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